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Aplicações

Como aplicações desses poderosos teoremas, vamos resolver completamente o seguinte problema: uma carga puntifome de valor $ q$ é posta a uma distância $ d$ do centro de uma esfera condutora de raio $ R$. A carga é externa à esfera, ou seja, $ d > R$. Determinar o campo elétrico resultante. Primeiramente, vamos supor que a esfera esteja ligada à terra, que é uma linguagem técnica para dizer que o potencial na esfera é mantido igual a zero. Este problema não é do tipo que pode ser resolvido pelo uso da solução da equação de Poisson dada por

$\displaystyle \phi(\vec{r})=\int d^3\vec{r}' \frac{\rho(\vec{r}')}{\vert\vec{r}-\vec{r}'\vert}$ (187)

porque não conhecemos a distribuição de cargas que aparecem no condutor por causa da presença da carga $ q$ externa. Por outro lado, sabemos que, fora do condutor, só existe a carga $ q$, e que, portanto, fora do condutor (e excluído o ponto onde está a carga $ q$), a equção de Laplace é satisfeita. A figura abaixo descreve a situação.

\begin{pspicture}(0,0)(10,6)
\pscircle(2,3){2}
\psline(2,3)(9,3)
\psline[linesty...
...)(2.2,0.7)
\psline(1.9,0.6)(2.1,0.6)
\psline(1.95,0.5)(2.05,0.5)
\end{pspicture}
A primeira aplicação do teorema de unicidade da equação de Laplace a este caso é muito simples: determinar o potencial em todos os pontos no interior da esfera condutora. Como o condutor está em equilíbrio, sabemos que sua superfície é uma equipotencial; além disso, como está ligado à terra, o valor desse potencial constante é zero, pelo menos na superfície. Considere a região interna ao condutor, limitada, isto é, pela superfície (fechada) do mesmo. Para esta região só existe uma solução com valor zero na superfície, pelo teorema da unicidade. Ora, a função que tem valor zero em todos os pontos do interior satisfaz obviamente, aí, a equação de Laplace, e tem o valor zero na superfície. Então, resolve o problema, e é a única solução.

Pode-se usar este método também para a região externa à esfera, com algum cuidado. Primeiro, consideremos a superfície complexa (isto é, composta de várias partes) formada por: a superfície esférica da figura; uma pequeniníssima superfície esférica em torno da carga $ q$; uma outra superfície esférica, concêntrica com a primeira, e de raio muitíssimo grande. Orientemos as três superfícies assim: a esfera condutora, com a normal interna; a pequena esfera, com a normal interna; a enorme esfera, com a normal externa. Juntas e orientadas assim, elas são a ``superfície externa'' do volume externo ao condutor e à esferinha, e interno à esferona. Neste volume não há cargas, logo, o potencial satisfaz a equação de Laplace. Além disso, temos as seguintes condições sobre os ``contornos'' (que são as superfícies citadas): sobre o condutor, $ \phi=0$; sobre a esferinha de raio $ \epsilon$, $ \phi = \frac{q}{\epsilon}$, sobre a esferona, $ \phi=0$ (ela é muuuito grande!). Posteriormente fazemos o raio da esfera grande tender ao infinito. Então podemos usar o teorema da unicidade para essar região. Se acharmos uma função que satisfaça a esuqção de Laplace na região e tenha os valores estipulados nas siperfícies, essa será a solução única.

William Thomson, Lord Kelvin7 teve uma de suas idéias geniais: percebeu que poderia obter um potencial com as propriedades acima trabalhando com uma distribuição de cargas muito simples: simplesmente adicionando, à carga $ q$, uma carga $ q'$, de valor a ser determinado, na posição $ Q'$ (veja a figura). O que esta posição tem de especial é que o ponto $ Q'$ é escolhido de tal forma que o triângulo $ qPO$ seja semelhante ao triângulo $ PQ'O$. Vamos mostrar que o potencial criado só por essas duas cargas tem as propriedades desejadas (no exterior da esfera condutora). De fato, sendo o potencial de duas cargas puntiformes, ele satisfaz a equação de Laplace em todos os pontos, menos aqueles onde as cargas estão. Portanto, em toda a região descrita. Além disso, ele se anula no infinito, e o leitor não terá dificuldades para provar que, numa superfície esférica infinitamente próxima de $ q$, o potencial é $ \frac{q}{\epsilon}$. Resta mostrar que este potencial é zero na superfície da esfera condutora. Isto também é facil. Sejam $ d$ e $ d'$, respectivamente, as distâncias do ponto $ q$ e do ponto $ Q'$ ao centro da esfera. Mostra-se facilmente, da semelhança de triângulos, que

$\displaystyle dd'=R^2$ (188)

Ainda da semelhança de triângulos segue que

$\displaystyle \frac{s'}{R}=\frac{s}{d}$ (189)

ou

$\displaystyle s'=\frac{R}{d}s$ (190)

Suponhamos que exista uma carga $ q'$ no ponto $ Q$. O potencial criado pelas cargas $ q$ e $ q'$ no ponto $ P$ (que é um ponto genérico da superfície do condutor) é:

$\displaystyle \phi(P)=\frac{q}{s} + \frac{q'}{s'}$ (191)

ou

$\displaystyle \phi(P)=\frac{1}{s}\left(q + \frac{d}{R}q'\right)$ (192)

Se tomarmos $ q'=-q\frac{R}{d}$ teremos $ \phi(P)=0$ em todos os pontos da superfície ezférica. Era o que queríamos. Portanto, o potencial criado por uma carga puntiforme $ q$ diante de um condutor esférico aterrado, e distante $ d$ do centro da esfera é, para pontos externos à esfera, equivalente ao potencial das cargas $ q$ e $ q'$ apenas descritas. Ora, o potencial dessas cargas é muito facil de calcular. De fato, seja $ P'$ um ponto qualquer fora do condutor, distante $ S$ da carga $ q$, e $ S'$ da carga $ q'$. Temos,

$\displaystyle \phi(P') = \frac{q}{S} + \frac{q'}{S'}$ (193)

A partir deste potencial podemos calcular o campo elétrico $ \vec{E}$ desta mesma distribuição física de cargas e, finalmente, chegar a uma expressão para a densidade de cargas que se instala na superfície do condutor por influência da carga externa $ q$. Estes últimos caálculos ficam como um exerício facil para o leitor.


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Henrique Fleming 2003-08-11