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A relação de incerteza energia x tempo

A relação de incerteza energia-tempo é de natureza fundamentalmente diferente daquela da relação de incerteza posição-momento. Enquanto esta última é conseqüência do fato de que os operadores $\hat{\vec{p}}_x$ e $\hat{x}$ não comutam, isto não acontece no caso da energia-tempo: nem mesmo existe um operador ``tempo'' na mecânica quântica. O tempo que aparece na equação de Schroedinger é o tempo marcado por qualquer relógio, e pode ser determinado, em qualquer caso, com precisão arbitrária. O fato básico na obtenção da desigualdade
\begin{displaymath}
\Delta E \Delta t \geq \hbar
\end{displaymath} (194)

é o seguinte: devido à relação de Planck, $E=h\nu$, onde $\nu$ é uma freqüência, temos, na mecânica quântica, que uma medida da energia é sempre uma medida de freqüência(Bohr). A relação de incerteza 195 deve ser interpretada assim: uma medida perfeita da energia de um sistema ($\Delta E=0$) leva um tempo infinito ( $\Delta t \geq \frac{\hbar}{\Delta E}$). A expressão 195 ensina quanto deve durar, no mínimo, o processo de medida (a duração é $\Delta t$) para que a precisão obtida seja $\Delta E$. Para obter 195, consideremos o processo de determinar a freqüência de uma onda. Matematicamente se sabe que a transformada de Fourier de uma onda nos dá a informação sobre quais freqüências participaram da construção da onda, por meio de superposição de ondas monocromáticas (isto é, de freqüências bem definidas). Uma onda plana monocromática tem sua dependência temporal dada por $e^{i\omega_0 t}$, se sua freqüência for $\omega_0$.14 Sua transformada de Fourier é
\begin{displaymath}
f(\omega)=\int_{-\infty}{\infty}e^{-i\omega_0 t}e^{i\omega t} dt
=\int{-\infty}{\infty}e^{i(\omega - \omega_0)t} dt \; ,
\end{displaymath} (195)

logo,
\begin{displaymath}
f(\omega) = 2\pi \delta(\omega-\omega_0) \;,
\end{displaymath} (196)

mostrando, como era de se esperar, que $f(\omega)$ é zero exceto para $\omega = \omega_0$. Na prática, porém, a medida da freqüência da onda $e^{i\omega_0 t}$ é feita observando-se essa onda durante um intervalo de tempo finito, por exemplo, do instante $\frac{-\Delta t}{2}$ até o instante $\frac{\Delta t}{2}$. Mas então a onda que realmente observamos é indistinguível da seguinte onda $u$:
$\displaystyle u$ $\textstyle =$ $\displaystyle 0 \; : \; t<-\frac{\Delta t}{2}$  
  $\textstyle =$ $\displaystyle e^{-i\omega_0t} \; : \; t \in [-\frac{\Delta t}{2},
\frac{\Delta t}{2}]$  
  $\textstyle =$ $\displaystyle 0 \; : \; t > \frac{\Delta t}{2} \; .$ (197)

A transformada de Fourier da onda (198) é:
\begin{displaymath}
f'(\omega)= \int _{\frac{-\Delta t}{2}}^{\frac{\Delta t}{2}}
e^{i(\omega - \omega_0)t} dt
\end{displaymath} (198)

ou seja,
\begin{displaymath}
f'(\omega) = \frac{1}{i(\omega-\omega_0)}(e^{i(\omega-\omeg...
...frac{\Delta t}{2}}-e^{-i(\omega-\omega_0)\frac{\Delta t}{2}})
\end{displaymath} (199)

ou

\begin{displaymath}
f'(\omega) = \frac{2}{\omega-\omega_0}\sin[(\omega-\omega_0)\frac{\Delta t}
{2}]
\end{displaymath}

e, ainda,
\begin{displaymath}
f'(\omega)=\Delta t \frac{\sin[(\omega-\omega_0)\frac{\Delta t}{2}]}
{(\omega-\omega_0)\frac{\Delta t}{2}}
\end{displaymath} (200)

Esta função tem um gráfico que apressenta um pico pronunciado para $\omega = \omega_0$, onde tem o valor 1, e corta o eixo $\omega$, ou seja, atinge o valor zero, pela primeira vez num ponto $P$ tal que, nele, $(\omega-\omega_0)\frac{\Delta t}{2}=\pi$, ou seja,
\begin{displaymath}
\omega-\omega_0 = \frac{2\pi}{\Delta t} \; .
\end{displaymath} (201)

Este valor de $\omega-\omega_0$ pode ser definido como a metade da ``largura'' de $f'(\omega)$. Logo, esta largura é
\begin{displaymath}
\Delta \omega = \frac{4\pi}{\Delta t} \; ,
\end{displaymath} (202)

onde $\Delta t$ é a duração do processo de medida de $\omega$. $\Delta \omega$ representa a incerteza na freqüência, ou seja, informa que as freqüências presentes na onda $u$ estão entre $\omega_0
-\frac{\Delta \omega}{2}$ e $\omega_0+\frac{\Delta \omega}{2}$. Temos, então,
\begin{displaymath}
\Delta \omega \Delta t = 4\pi
\end{displaymath} (203)

e, multiplicando por $\hbar$,
\begin{displaymath}
\Delta E \Delta t = 4\pi\hbar \; .
\end{displaymath} (204)

É claro que podemos, neste mesmo intervalo de tempo, ser mais descuidados e cometer erros $\Delta E$ maiores. Logo, o resultado geral é
\begin{displaymath}
\Delta E\Delta t \geq 4\pi\hbar
\end{displaymath} (205)


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Henrique Fleming 2003-03-30