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Coordenadas esféricas

As coordenadas cartesianas são as melhores, mas não são as únicas. Para determinar o vetor $ \vec{r}$, que vai da origem ao ponto $ P$, podemos dar as três componentes cartesianas de $ \vec{r}$, que vêm a ser as três coordenadas cartesianas de $ P$, mas também podemos dar o tamanho do vetor, sua direção e seu sentido. Ou seja, o módulo $ \vert\vec{r}\vert\equiv r$ e dois ângulos que podem ser os ângulos $ \theta$ e $ \phi$ da figura. As coordenadas esféricas do ponto $ P$ são, então, $ r$, $ \theta$ e $ \phi$.




\begin{pspicture}(0,0)(9,6)
\psline[linewidth=1pt](2,2)(5.5,2)
\psline[linewidth...
...}
\uput[0](1.5,5.4){$z$}
\uput[0](3,4){$P$}
\uput[0](2.5,3){$r$}
\end{pspicture}



A relação entre as coordenadas cartesianas e esféricas é dada por

$\displaystyle x$ $\displaystyle =$ $\displaystyle r\sin{\theta}\cos{\phi}$ (13)
$\displaystyle y$ $\displaystyle =$ $\displaystyle r\sin{\theta}\sin{\phi}$ (14)
$\displaystyle z$ $\displaystyle =$ $\displaystyle r\cos{\theta}$ (15)

sendo as inversas dadas por
$\displaystyle r$ $\displaystyle =$ $\displaystyle \sqrt{x^2+y^2+z^2}$ (16)
$\displaystyle \phi$ $\displaystyle =$ $\displaystyle \arctan{\frac{y}{x}}$ (17)
$\displaystyle \theta$ $\displaystyle =$ $\displaystyle \arctan{\frac{\sqrt{x^2+y^2}}{z}}$ (18)

As coordenadas cartesianas referem-se à base fixa formada pelos vetores unitários $ \vec{i}$, $ \vec{j}$ e $ \vec{k}$. De fato, o vetor de posição $ \vec{r}$, que termina no ponto $ P$, tem projeções ao longo dos eixos dessa base que são exatamente as coordenadas de $ P$. Note-se que

$\displaystyle \vec{\nabla}x$ $\displaystyle =$ $\displaystyle \vec{i}$  
$\displaystyle \vec{\nabla}y$ $\displaystyle =$ $\displaystyle \vec{j}$  
$\displaystyle \vec{\nabla}z$ $\displaystyle =$ $\displaystyle \vec{k}$  

Qual será a base que, para as coordenadas esféricas, desempenha o papel da base $ \vec{i}$, $ \vec{j}$, $ \vec{k}$? A pista está dada pelas equações acima: devemos procurar os vetores que são os gradientes das funções $ r(x,y,z)$, $ \theta(x,y,z)$, $ \phi(x,y,z)$.

Temos:

$\displaystyle \vec{\nabla}r = \frac{\vec{r}}{r}\;.$ (19)

Logo, temos o primeiro vetor da base,

$\displaystyle \vec{e}_{r}=\frac{1}{r}(x\vec{i}+y\vec{j}+z\vec{k})$ (20)

Analogamente, podemos calcular $ \vec{e}_{\theta}$:
$\displaystyle \vec{e}_{\theta}$ $\displaystyle =$ $\displaystyle \vec{\nabla}\left(\arctan{\frac{\sqrt{x^2+y^2}}{z}}\right)$  
  $\displaystyle =$ $\displaystyle \frac{1}{r^2}\frac{1}{\sqrt{x^2+y^2}}\left[xz\vec{i}
+yz\vec{j}-(x^2+y^2)\vec{k}\right]$  

Finalmente, calculamos $ \vec{e}_{\phi}$:
$\displaystyle \vec{e}_{\phi}$ $\displaystyle =$ $\displaystyle \vec{\nabla}\left(\arctan{\frac{y}{x}}\right)$  
  $\displaystyle =$ $\displaystyle \frac{-y\vec{i}+x\vec{j}}{x^2+y^2}$  

Verifica-se sem qualquer dificuldade que os vetores $ \vec{e}_{r}$, $ \vec{e}_{\theta}$ e $ \vec{e}_{\phi}$ são ortogonais, e que $ \vec{e}_{r}$ é unitário. Contudo, $ \vec{e}_{\theta}$ é tal que

$\displaystyle \vec{e}_{\theta}.\vec{e}_{\theta}=\frac{1}{r^2}$ (21)

e $ \vec{e}_{\phi}$ é tal que

$\displaystyle \vec{e}_{\phi}.\vec{e}_{\phi}=\frac{1}{r^2\sin^{2}{\theta}}$ (22)

Em princípio não há qualquer problema em usar uma base de vetores não unitários. Porém, uma base ortonormal tem os seus confortos,2 e então preferimos usar os vetores
$\displaystyle \vec{e}_{r}$ $\displaystyle =$ $\displaystyle \frac{1}{r}(x\vec{i}+y\vec{j}+z\vec{k})$ (23)
$\displaystyle \vec{e}_{\phi}$ $\displaystyle =$ $\displaystyle \frac{-y\vec{i}+x\vec{j}}{\sqrt{x^2+y^2}}$ (24)
$\displaystyle \vec{e}_{\theta}$ $\displaystyle =$ $\displaystyle \frac{1}{r}\frac{1}{\sqrt{x^2+y^2}}
\left[xz\vec{i}+yz\vec{j}-(x^2+y^2)\vec{k}\right]$ (25)

Em termos desta base, seja $ \vec{v}$ um vetor que começa no ponto $ P$. Então podemos escrever

$\displaystyle \vec{v}=(\vec{v}.\vec{e}_{r})\vec{e}_{r}+(\vec{v}.\vec{e}_{\theta})\vec{e}_{\theta} +(\vec{v}.\vec{e}_{\phi})\vec{e}_{\phi}$ (26)

ou

$\displaystyle \vec{v}=v_{r}\vec{e}_{r}+v_{\theta}\vec{e}_{\theta}+v_{\phi}\vec{e}_{\phi}$ (27)

Como um exemplo não-trivial do uso de coordenadas curvilíneas, vamos tratar do problema de Kepler (Terra em redor do Sol). Como se sabe, a trajetória de uma planeta está contida num plano que também contém o Sol. Assim, podemos, sem perda de generalidade, considerar o problema como sendo bidimensional o que nos permite utilizar coordenadas polares no plano.

A conexão entre as coordenadas polares e as cartesianas é dada pelas fórmulas

$\displaystyle x$ $\displaystyle =$ $\displaystyle r\cos{\phi}$ (28)
$\displaystyle y$ $\displaystyle =$ $\displaystyle r\sin{\phi}$ (29)

e pelas inversas
$\displaystyle r$ $\displaystyle =$ $\displaystyle \sqrt{x^2+y^2}$ (30)
$\displaystyle \phi$ $\displaystyle =$ $\displaystyle \arctan{\frac{y}{x}}$ (31)


\begin{pspicture}(0,0)(8,8)
\psline{->}(2,2.5)(6,2.5)
\psline{->}(4,0.5)(4,4.5)
...
...{$\vec{e}_{\phi}$}
\uput[0](5.8,2.3){$x$}
\uput[0](3.5,4.4){$y$}
\end{pspicture}



Seja $ \vec{r}=x\vec{i}+y\vec{j}$ um vetor de posição. Como mostra a figura, suas componentes ao longo dos eixos $ x$ e $ y$ são as coordenadas do ponto localizado na sua extremidade. Seja $ P$ este ponto, e $ P+dP$ um ponto muito próximo, de coordenadas $ x+dx,y+dy,z+dz$. Se $ d\vec{r}$ denota o vetor de $ P$ a $ P+dP$, temos

$\displaystyle d\vec{r}=dx\vec{i}+dy\vec{j}$ (32)

Se denotarmos por $ ds^2$ o quadrado da distância entre $ P$ e $ P+dP$, temos

$\displaystyle ds^2=d\vec{r}.\vec{r}=dx^2+dy^2$ (33)

Para construir uma base apropriada para as coordenadas polares, vamos calcular $ \vec{\nabla}r$ e $ \vec{\nabla}\phi$:
$\displaystyle \vec{\nabla}r$ $\displaystyle =$ $\displaystyle \frac{\partial \sqrt{x^2+y^2}}{\partial x}\vec{i}
+\frac{\partial \sqrt{x^2+y^2}}{\partial y}\vec{j}$  
  $\displaystyle =$ $\displaystyle \frac{1}{\sqrt{x^2+y^2}}\left(x\vec{i}+y\vec{j}\right)$ (34)

ou seja,

$\displaystyle \vec{\nabla}r=\cos{\phi}\vec{i}+\sin{\phi}\vec{j}$ (35)

$\displaystyle \vec{\nabla}\phi=-\frac{y}{x^2+y^2}\vec{i}+\frac{x}{x^2+y^2}\vec{j} =-\frac{\sin{\theta}}{r}\vec{i}+\frac{\cos{\phi}}{r}\vec{j}$ (36)

Para ter uma base ortonormal, escolhemos
$\displaystyle \vec{e}_{r}$ $\displaystyle =$ $\displaystyle \vec{\nabla}r$ (37)
$\displaystyle \vec{e}_{\phi}$ $\displaystyle =$ $\displaystyle r\vec{\nabla}\phi$ (38)

isto é,
$\displaystyle \vec{e}_{r}$ $\displaystyle =$ $\displaystyle \cos{\phi}\vec{i}+\sin{\phi}\vec{j}$ (39)
$\displaystyle \vec{e}_{\phi}$ $\displaystyle =$ $\displaystyle -\sin{\phi}\vec{i}+\cos{\phi}\vec{j}$ (40)

Diferentemente de $ \vec{i}$ e $ \vec{j}$, os vetores da base adaptada às coordenadas polares (Cartan falava na ``base natural'' das coordenadas polares) não são constantes. Fala-se, então, numa ``base móvel'', ou ``referencial móvel'' (moving frame). Já que são funções, calculemos suas diferenciais:
$\displaystyle d\vec{e}_{\phi}$ $\displaystyle =$ $\displaystyle -\cos{\phi}\;d\phi\vec{i}-\sin{\phi}\;d\phi\vec{j}$ (41)
$\displaystyle d\vec{e}_{r}$ $\displaystyle =$ $\displaystyle -\sin{\phi}\;d\phi\vec{i}+\cos{\phi}\;d\phi\vec{j}$ (42)

Estes dois vetores podem ser expandidos na base formada por $ \vec{e}_{\phi}$ e $ \vec{e}_{r}$. Usando a notação de Cartan, pomos
$\displaystyle d\vec{e}_{r}$ $\displaystyle =$ $\displaystyle \omega_{r\;r}\vec{e}_{r}+\omega_{r\;\phi}\vec{e}_{\phi}$ (43)
$\displaystyle d\vec{e}_{\phi}$ $\displaystyle =$ $\displaystyle \omega_{\phi\;r}\vec{e}_{r}+\omega_{\phi\;\phi}\vec{e}_{\phi}$ (44)

Antes de prosseguir no cálculo, vamos fazer uma digressão sobre coordenadas curvilíneas num contexto um pouco mais geral.



Sejam $ u_{i}$ ( $ i=1,\ldots,n)$, coordenadas curvilíneas num espaço que admite um sistema de coordenadas cartesianas. A expressão das $ u_{i}$ em termos das coordenadas cartesianas é conhecida. Construímos, calculando os gradientes das funções $ u_{i}$ e normalizando, os vetores $ \vec{e}_{i}$, ( $ i=1,\ldots,n$), tais que

$\displaystyle \vec{e}_{i}.\vec{e}_{j}=\delta_{ij}$ (45)

Diferenciando ambos os membros, temos

$\displaystyle d(\vec{e}_{i}.\vec{e}_{j})=0$ (46)

ou

$\displaystyle d\vec{e}_{i}.\vec{e}_{j}+\vec{e}_{i}.d\vec{e}_{j}=0$ (47)

Ora,

$\displaystyle d\vec{e}_{i}=\sum_{l}\omega_{il}\vec{e}_{l}\;,$ (48)

logo,

$\displaystyle \sum_{l}\omega_{il}\vec{e}_{l}.\vec{e}_{j}+\sum_{l}\omega_{jl}\vec{e}_{i}.\vec{e}_{l}=0$ (49)

e, como $ \vec{e}_{i}.\vec{e}_{l}=\delta_{il}$, temos

$\displaystyle \sum_{l}\omega_{il}\delta_{lj}+\sum_{l}\omega_{jl}\delta_{il}=0$ (50)

que dá

$\displaystyle \omega_{ij}+\omega_{ji}=0$ (51)

Daqui se conclui que
$\displaystyle \omega_{ii}$ $\displaystyle =$ 0 (52)
$\displaystyle \omega_{ij}$ $\displaystyle =$ $\displaystyle -\omega_{ji}$ (53)



Vemos que as expressões em (43) podem ser simplificadas, pois $ \omega_{rr}=\omega_{\phi \phi}=0$ e $ \omega_{r\phi}=-\omega_{\phi r}$.

Para calcular $ \omega_{\phi r}$, lembremo-nos de que, numa base ortonormal,

$\displaystyle d\vec{e}_{\phi}=(d\vec{e}_{\phi}.\vec{e}{r})\vec{e}_{r}+(d\vec{e}_{\phi}).\vec{e}_{\phi}).\vec{e}_{\phi}$ (54)

Comparando com (44), chegamos a

$\displaystyle \omega_{\phi r}= d\vec{e}_{\phi}.\vec{e}_{r}$ (55)

O produro escalar acima é facil de calcular:
$\displaystyle d\vec{e}_{\phi}.\vec{e}_{r}$ $\displaystyle =$ $\displaystyle (-\cos{\phi}\;d\phi\vec{i}-\sin{\phi}\;d\phi \vec{j}).
(\cos{\phi}\vec{i}=\sin{\phi}\vec{j})$  
  $\displaystyle =$ $\displaystyle -\cos^2{\phi}\;d\phi-\sin^2{\phi}\;d\phi$  
  $\displaystyle =$ $\displaystyle -d\phi$  

Conclui-se então que

$\displaystyle \omega_{\phi r} = -\omega_{r \phi}=-d\phi$ (56)

e que, portanto,
$\displaystyle d\vec{e}_{r}$ $\displaystyle =$ $\displaystyle \vec{e}_{\phi}d\phi$ (57)
$\displaystyle d\vec{e}_{\phi}$ $\displaystyle =$ $\displaystyle -\vec{e}_{r}d\phi$ (58)


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Henrique Fleming 2003-08-11