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Aplicações à física

Como primeira aplicação, vamos determinar que movimentos um corpo (sistema macroscópico) pode executar no equilíbrio termodinâmico, ou seja, sob a condição de que a entropia seja um máximo. Seguimos o tratamento do problema dado por Landau [5]. Dividimos o corpo em um grande número de partes pequenas (mas ainda macroscópicas), e sejam $M_i$, $E_i$ e $\vec{P}_i$ a massa, a energia e o momento da $i$-ésima parte. A entropia de cada parte é uma função de sua energia interna, isto é, da diferença entre sua energia total $E_i$ e sua energia cinética, dada por $\frac{\vec{P}_i^2}{2M_i}$. A entropia total do corpo, portanto, pode ser escrita
\begin{displaymath}
S=\sum_iS_i\left(E_i-\frac{P_i^2}{2M_i}\right)
\end{displaymath} (20)

Supondo que o corpo seja um sistema isolado, o momento e o momento angular devem ser conservados. Temos, portanto, dois vínculos:
$\displaystyle \sum_i\vec{P}_i$ $\textstyle =$ $\displaystyle \;constante$ (21)
$\displaystyle \sum_i\vec{r}_i\times \vec{P}_i$ $\textstyle =$ $\displaystyle \;constante$ (22)

onde $\vec{r_i}$ é o vetor de posição da $i$-ésima parte do corpo. As condições de vínculo são duas condições vetoriais, portanto, na realidade, seis condições escalares. Logo, são necessários seis multiplicadores de Lagrange. Mas podemos reuní-los em dois vetores, denotados por $\vec{a}$ e $\vec{b}$. Para determinar o máximo da entropia na presença desses dois vínculos vetoriais, devemos, então, igualar a zero as derivadas parciais da função
\begin{displaymath}
S_i'= \sum_i\left(S_i+\vec{a}.\vec{P}_i+
\vec{b}.(\vec{r}_i\times\vec{P}_i\right)
\end{displaymath} (23)

onde $\vec{a}$ e $\vec{b}$ são dois vetores constantes a determinar. A entropia deve ser um máximo em função das energias internas. Derivar em relação à energia interna é equivalente a derivar em relação aos momentos, logo, para o nosso problema, as variáveis são as componentes $P_i$ do momento. Por isso devemos ter
\begin{displaymath}
\frac{\partial}{\partial P_j} S_i'=0
\end{displaymath} (24)

ou, mais sucintamente,
\begin{displaymath}
\vec{\nabla}_{\vec{P}_i} S_j'=0
\end{displaymath} (25)

onde $\vec{\nabla}_{\vec{P}_i}$ é o gradiente na variável $\vec{P}_i$, ou seja, o operador vetorial

\begin{displaymath}
\frac{\partial}{\partial P_{ix}}\vec{i}+\frac{\partial}{\partial
P_{iy}}\vec{j} + \frac{\partial}{\partial P_{iz}}\vec{k}
\end{displaymath}

denotando por $\vec{v}_i=\frac{\vec{P}_i}{M_i}$ a velocidade da $i$-ésima parte do corpo, temos (veja o cálculo detalhado no apêndice)
\begin{displaymath}
\vec{\nabla}_{\vec{P}_i} S_j\left(E_j-\frac{P_j^2}{2M_j}\right)=
-\frac{\vec{P}_i}{M_i T}=-\frac{\vec{v}_i}{T}
\end{displaymath} (26)

onde $T$ é a temperatura absoluta, e usamos o fato de que

\begin{displaymath}
\frac{\partial S}{\partial E}= \frac{1}{T}
\end{displaymath}

considerando-se a entropia como função da energia interna e do volume. O cálculo das derivadas parciais da função $S'$, na Eq.(23), pode agora ser feito sem maiores dificuldades. Obtém-se
\begin{displaymath}
\frac{-\vec{v}_i}{T}+\vec{a}+\vec{b}\times \vec{r}_i=0
\end{displaymath} (27)

onde usamos $\vec{\nabla}_{\vec{P}}\vec{a}.\vec{P}=\vec{a}$ e que $\vec{\nabla}_{\vec{P}}\vec{b}.(\vec{r}\times\vec{P})=\vec{b}\times\vec{r}$. Introduzindo as notações $\vec{u}=T\vec{a}$ e $\vec{\Omega}=T\vec{b}$, temos então:
\begin{displaymath}
\vec{v}_i=\vec{u}+\vec{\Omega}\times\vec{r}_i \;.
\end{displaymath} (28)

O significado físico é claro: o movimento das partes do corpo que é compatível com o equilíbrio é composto de uma translação do corpo como um todo, e de uma rotação, como um todo, com velocidade angular $\vec{\Omega}$.

Por que, então, as massas fluidas em torno de nós não estão se movimentando apenas dessa maneira? Por que não são um sistema isolado: tanto o bombeamento de energia do Sol quanto a ação da gravidade da Terra são ações externas, e, nessas condições, a entropia não tem a obrigação de estar num máximo. Enquanto é fácil blindar o sistema contra a luz do Sol, isto é muito mais difícil no caso do campo gravitacional. A ação combinada do Sol e da gravidade da Terra produz toda a sorte de movimentos ``proibidos'', como as correntes de convecção nos mares e ares (estas últimas popularmente conhecidas como vento...). Uma aplicação interessante do resultado que obtivemos é o crescimento de cristais em estações espaciais. Como elas estão em queda livre, o campo gravitacional é eliminado; sendo o ambiente fechado, a radiação solar também não está presente. Assim, se está, nessas estações, nas condições de validade do nosso ``teorema'': como só há rotações e translações, que são fáceis de evitar, consegue-se crescer cristais em condições de total ausência de convecção, o que permite obter cristais perfeitos (e enormes).


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Henrique Fleming 2003-09-24