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Outro exemplo : correntes elétricas estacionárias

Seja dado um condutor ôhmico, ou seja, tal que a relação entre a corrente e o campo elétrico seja
\begin{displaymath}
\vec{j}=\sigma \vec{E}
\end{displaymath} (29)

onde $\sigma$ é a condutividade do material. Sabemos que a potência dissipada no sistema é dada por
\begin{displaymath}
\int dV \vec{j}.\vec{E}
\end{displaymath} (30)

Há um teorema, atribuído a Lord Kelvin, que diz que a distribuição de correntes estacionárias em um condutor é aquela que minimiza a potência dissipada. Vamos obter este resultado com os métodos que desenvolvemos até aqui.

Uma distribuição de correntes se diz estacionária se

\begin{displaymath}
div\;\vec{j}=0
\end{displaymath} (31)

Para determinar completamente $\vec{j}$ é suficiente, então, dar o valor de $rot \;\vec{j}$. A potência dissipada é dada pela expressão
\begin{displaymath}
\int dV \vec{j}.\vec{E}
\end{displaymath} (32)

O vínculo, neste caso, é a condição de estacionaridade, que é
\begin{displaymath}
div \vec{j}=0
\end{displaymath} (33)

O que nós queremos saber é qual função $\vec{j}$ minimiza a potência. Trata-se, portanto, de uma generalização do que fizemos até aqui (que era, dada uma função, saber em que ponto era máxima). O problema se resolve assim: a corrente que gera um mínimo de potência é aquela particular corrente $\vec{j}$ tal que, acrescentando-se uma pequena correção $\delta\vec{j}$ a ela, a potência não muda de valor em primeira ordem. Trata-se de uma generalização imediata do caso anterior. De fato, o ponto em que uma função tem um mínimo (ou máximo) goza da seguinte propriedade: mudando-se ligeiramente essa posição, o valor da função não se altera em primeira ordem (é este o significado de a derivada se anular).Então, exigir que a ``variação'' da função seja zero em primeira ordem, é equivalente a exigir que as derivadas primeiras se anulem. Seja $P$ a potência dissipada. Temos
\begin{displaymath}
P=\int dV \vec{j}.\vec{E}
\end{displaymath} (34)

Substituímos agora $\vec{j}$ por $\vec{j}+\delta\vec{j}$, onde $\delta\vec{j}$ é um infinitésimo. Obtemos uma nova potência
\begin{displaymath}
P+\delta P=\int dV (\vec{j}+\delta\vec{j}).\vec{E}
\end{displaymath} (35)

A variação de $P$ é $P+\delta P-P=\delta P$, com
\begin{displaymath}
\delta P=\int dV \delta\vec{j}.\vec{E}
\end{displaymath} (36)

Para a corrente que minimiza a potência, devemos ter
\begin{displaymath}
\delta P=\int dV \delta\vec{j}.\vec{E}=0
\end{displaymath} (37)

É claro que a corrente que minimiza a potência é a corrente zero. Mas o que nós queremos é saber qual a corrente não-nula e estacionária que minimiza a potência. Temos então que impor o vínculo $div\;\vec{j}=0$. A expressão cuja variação em primeira ordem deve ser zero é
\begin{displaymath}
\int dV \left\{\vec{j}.\vec{E} + \lambda div\;\vec{j}\right\}
\end{displaymath} (38)

onde $\lambda$ é um multiplicador de Lagrange. Porém, neste caso, o multiplicador de Lagrange deve ser uma função $\lambda(x,y,z)$ em vez de um número, como no caso anterior. Acrescentando-se um $\delta\vec{j}$ à corrente e usando $\vec{j}=\sigma\vec{E}$, temos :
\begin{displaymath}
\int dV \left(\frac{(\vec{j}+\delta\vec{j})^2}{\sigma} +
\lambda div(\vec{j}+\delta\vec{j})\right)
\end{displaymath} (39)

cuja variação em primeira ordem, que devemos igualar a zero, é:
\begin{displaymath}
\int dV \left(2\frac{\vec{j}.\delta\vec{j}}{\sigma} + \lambda
div(\delta\vec{j})\right)=0
\end{displaymath} (40)

Resta colocar o último termo da integral numa forma mais reveladora. Temos

\begin{displaymath}
\lambda div(\delta\vec{j})=div(\lambda \delta\vec{j})-\vec{\nabla}\lambda.
\delta\vec{j}
\end{displaymath}

Logo, a integral (40) pode ser escrita
\begin{displaymath}
\int dV (2\frac{\vec{j}}{\sigma}+\vec{\nabla}\lambda).\delta\vec{j}=0
\end{displaymath} (41)

onde a parte do integrando que contém um divergente foi desprezada por razões bem conhecidas ($\delta\vec{j}$ se anula no infinito). Como $\delta\vec{j}$ é arbitrário, devemos ter
\begin{displaymath}
\vec{j}=-\frac{\sigma}{2}\vec{\nabla}\lambda
\end{displaymath} (42)

ou
\begin{displaymath}
rot\;\vec{j}=0
\end{displaymath} (43)

que completa a determinação da corrente. Como estas são as equaçõeses para correntes estacionárias ôhmicas usuais, o teorema está provado: as correntes ôhmicas estacionárias que minimizam a potência dissipada são aquelas para as quais $rot\;\vec{j}=0$ (em última análise, são aquelas para as quais $V=Ri$).
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Henrique Fleming 2003-09-24