O PRÊMIO NOBEL DE FÍSICA DE 1999
O
prêmio Nobel de Física de 1999 foi concedido à Gerardus
't Hooft da Universidade de Utrecht e Martinus J. G. Veltman
da Universidade de Michigan, por elucidar a estrutura
quântica das interações eletro-fracas na física, conforme
citação da Royal Swedish Academy of Sciences. A
contribuição de 't Hooft e Veltman é de importância vital
para a teoria das partículas elementares colocando-a numa base
matemática extremamente sólida.
Toda a matéria é constituída por elétrons e núcleos
atômicos; são eles que dão origem aos átomos e
moléculas. Os núcleos contém prótons e neutrons, os quais, por
sua vez, são constituídos por quarks. Essas partículas
elementares interagem entre si. As forças de interação
também podem ser tratadas como partículas. Podemos imaginar que duas
partículas interagem entre sí pela troca de uma terceira
partícula. Para cada força fundamental da natureza existe uma
ou mais partículas associadas. A partícula que transporta a
força eletromagnética é o fóton enquanto a força fraca é
transportada pelas partículas conhecidas por W e
Z0. Já as forças fortes são transportadas pelos glúons. Essa
descrição de partículas e forças é o modêlo padrão das partículas
elementares [1].
O tratamento matemático do modêlo padrão é feito através das
teorias de gauge [2]. A palavra gauge está associado à
uma simetria, a simetria de gauge, que é uma das simetrias mais
fundamentais que
existem na física. Em 1860 Maxwell formulou o eletromagnetismo
como uma teoria de gauge. Nessa formulação o campo elétrico
e o campo magnético não são os objetos
fundamentais
da teoria, mas sim o potencial escalar e o potencial vetor. Os
potenciais podem ser mudados de certa forma sem que isso
afete os campos. Isso manifesta-se, por exemplo, na arbitrariedade da
escolha do zero do potencial escalar, uma vez que a quantidade
relevante é a diferença de potencial. Essa é a essência da
simetria de gauge.
Quando a ordem em que efetuamos as transformações de gauge não
são importantes dizemos que temos uma teoria de gauge Abeliana, em
homenagem ao matemático norueguês Niels H. Abel. Um exemplo de
transformações Abelianas são as rotações num plano. Se as
transformações dependem da ordem em que são realizadas
temos uma transformação não-Abeliana. As rotações
no espaço são um exemplo de transformações
não-Abelianas. O leitor deve experimentar girar um lápis no plano e no espaço
para se convencer de que no plano a ordem em que duas rotações
são feitas é irrelevante. A posição final do lápis é
sempre a mesma. Já no espaço isso não é verdade. A posição final do
lápis depende da ordem em que as rotações são
efetuadas.
A quantização do campo eletromagnético leva à uma teoria de
gauge Abeliana chamada eletrodinâmica quântica. A interação
entre as partículas eletricamente carregadas é mediada pelos
fótons. O cálculo
de amplitudes de espalhamento é efetuado através de diagramas de
Feynman, uma técnica desenvolvida pelo físico R. Feynman. Em
geral, essas amplitudes envolvem integrais divergentes. Para eliminar
as divergências as integrais são regularizadas para que a parte
divergente possa ser separada. A parte finita permanece nos resultados
físicos enquanto a parte divergente é absorvida nas constantes
da teoria original. Esse procedimento, denominado renormalização,
produz resultados finitos para as amplitudes de espalhamento. O grande
sucesso da renormalização na eletrodinâmica quântica, ao
incorporar correções radiativas que foram verificadas
experimentalmente, garantiu o prêmio Nobel de física à
S.-I. Tomonoga, J. Schwinger e R. Feynman em 1965.
Naturalmente, o próximo passo seria aplicar essa metodologia às
interações fracas. Mas isso não funcionou. Somente na década
de 60 é que se descobriu que as interações fracas necessitam ser
tratadas juntas com as interações eletromagnéticas para
fornecer uma teoria consistente [3]. Essa unificação
deu origem à teoria eletro-fraca, descrita por uma teoria de gauge
não-Abeliana. Essa teoria foi proposta por A. Salam, S. Weinberg e
S. L. Glashow, que receberam o prêmio Nobel por essa descoberta em
1979. Uma previsão importante da teoria eletro-fraca é a
existência das partículas W e Z0 que foram descobertas
em 1983.
Por tratar-se de uma teoria de gauge não-Abeliana sua
estrutura matemática é muito mais complicada que a
eletrodinâmica quântica. Obviamente, também apresenta integrais
divergentes. A grande contribuição de 't Hooft e Veltman foi a
demonstração de que a teoria eletro-fraca é
renormalizável. Para isso, propuseram um nova técnica de
regularização para as integrais divergentes, batizada de
regularização dimensional. Essa técnica havia sido descoberta,
de forma independente, pelos físicos argentinos C. G. Bollini e
J. J. Giambiagi, que trabalharam no Brasil durante muitos anos. O uso
da regularização dimensional foi fundamental na demonstração
de que a teoria eletro-fraca é uma teoria renormalizável. Desde
então, essa técnica vem sendo amplamente utilizada e faz parte do
arsenal técnico de qualquer pesquisador da área.
A única partícula da teoria eletro-fraca ainda não descoberta
experimentalmente é o Higgs. Isto ocorre porque sua
massa está
numa região inacessível aos atuais aceleradores de partículas. O único
acelerador em construção, que será potente o
suficiente para produzir o Higgs, o Large Hadron Collider no
CERN, entrará em operação em 2005. Enquanto isso, os teóricos
avançam a passos largos estendo o modêlo padrão com a
inclusão de supersimetria e efeitos das supercordas [4]. O próprio 't
Hooft lidera a proposta de novas idéias na área, como o princípio
holográfico, uma manifestação da teoria quântica da
gravitação. Isto mostra que a física das partículas
elementares continua tão excitante e renovadora como na época em
que 't Hooft e Veltman deram sua grande contribuição.
Referências
[1] G. 't Hooft, In Search of the Ultimate Building
Blocks (Cambridge University Press, 1997).
[2] K. Moryiasu, An Elementary Primer for Gauge
Theory (World Scientific Publishing, 1983).
[3] A. Zee, Unity of Forces in the Nature (World
Scientific Publishing, 1982).
[4] V. O. Rivelles, Ciência Hoje, v.23, n.138, 46 (1998).
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