GRAVITAÇÃO QUÂNTICA
Neste final de século temos o privilégio de poder contemplar as grandes
revoluções no pensamento contemporâneo que marcaram este período. Na
física, em particular, a mecânica quântica mostrou uma nova maneira de
encarar o mundo do muito pequeno, dos átomos, das moléculas, dos
núcleos e das partículas elementares. Por outro lado, a relatividade
geral forneceu uma nova visão do mundo do muito grande, do sistema
solar, das galáxias e do próprio universo. Apesar do sucesso em seus
respectivos domínios, estes dois grandes pilares do nosso século não
sao compátiveis entre si. Quando tentamos aplicar as idéias da
mecânica quântica na relatividade geral para obtermos uma teoria da
gravitação quântica somos levados a resultados absurdos que
contradizem as próprias bases sobre as quais essas teorias foram
erguidas. Este tem sido um dos maiores problemas desta segunda metade
do século XX e tem ocupado a mente de grandes físicos.
Essa incompatibilidade manifesta-se claramente quando estudamos a
mecânica quântica dos buracos negros. A relatividade geral prevê que
se uma estrela for muito grande, mais especificamente, se tiver uma
massa superior ao dobro da massa do sol, entao será
transformada num buraco negro. Tais objetos são bastante
estranhos. Como ele é muito pesado, atrai para seu interior qualquer
objeto que estiver na sua vizinhança. Sua força gravitacional é tão forte
que nem mesmo um raio de luz é capaz de escapar de sua ação. Se
tentarmos ilumina-lo com uma lanterna não veremos nada, pois o buraco
negro absorverá toda a luz incidente (daí o seu nome). Se jogarmos um
objeto no buraco negro, digamos um livro, não
poderemos recupera-lo. Uma vez que entramos num buraco negro, não há
jeito de sair de lá. Dessa forma, qualquer informação sobre a matéria
que formou o buraco negro e dos objetos que foram atraídos por ele
permanecerá eternamente em seu interior. Isto não é problemático na
relatividade geral porque, apesar de não termos acesso a essa
informação, sabemos que ela está dentro do buraco negro, embora não
possamos acessa-la de seu exterior.
Na mecânica quântica a situação muda drasticamente. Ela faz com que o
buraco negro não seja tão negro assim. De fato, ele irradia como se
fosse um corpo aquecido. Essa é a famosa radiação de Hawking que abriu
o caminho para estudarmos efeitos quânticos na presença de buracos
negros. Como consequência, o buraco negro pode transformar-se
inteiramente em radiação, e evaporar completamente. No final, restará
apenas energia térmica, isto é, o calor gerado pela evaporação. O que
acontece com a informação contida dentro do buraco negro? Podemos
recuperar a informação estudando a radiação térmica gerada pelo buraco
negro? A resposta que a mecânica quântica nos dá é de que isso não é
possível. Em suma, a informação contida no buraco negro foi
irreversivelmente perdida. Este processo é conhecido como o paradoxo
da informação. Se isto acontecer, então uma das mais sagradas leis da
natureza, a segunda lei da termodinâmica, será violada. Isto, por sua
vez, produziria consequências paradoxais que permitiria a construção
de máquinas de movimento perpétuo ou viagens no tempo para o passado.
É impressionante que estas duas grandes teorias sejam assim
incompativeis entre si. Isto nos leva a acreditar que a
única saida para o paradoxo da informação seria a modificação de uma
delas. Uma corrente liderada por S. Hawking advoga que a mecânica
quântica necessita ser modificada, enquanto outra corrente, encabeçada
pelos físicos G. 't Hooft e L. Susskind, sustenta que a mecânica
quântica deve permanecer intacta e a relatividade geral deve ser
alterada. Várias tentativas foram feitas para solucionar o problema
em ambas as direções.
Uma dessas tentativas ocorreu na década de 70 e consistia em
considerar versões supersimétricas da relatividade geral, as chamadas
teorias de supergravidade. A supersimetria faz com que a matéria e as
forças da natureza sejam tratadas em pé de igualdade, produzindo de
forma bastante natural uma teoria unificada. Este é um dos velhos
sonhos de Einstein, o da unificação, que foi realizado, por ironia,
no contexto da mecânica quântica. É bom lembrar que Einstein não
aceitava a interpretação corrente da mecânica quântica e sabemos hoje
que ela é um ingrediente essencial em qualquer teoria unificada.
Entretanto, as teorias de supergravidade não foram capazes de gerar
uma teoria quântica consistente para a relatividade geral. Elas só foram
encontradas na década de 80 quando as supercordas foram descobertas.
As teorias de supercordas são radicalmente diferentes das teorias
usuais pois os objetos fundamentais, agora, não são mais objetos
pontuais mas sim objetos estendidos, unidimensionais, chamados de
cordas no jargão dos físicos. O tamanho dessas cordas é muito pequeno
e porisso elas parecem comportar-se como partículas. Nas teorias de
supercordas a supersimetria tem um papel essencial e permite a
formulação de uma teoria da gravitação quântica que é
consistente. Este é um dos grandes triunfos da teoria de
supercordas. Ela estende a relatividade geral de Einstein de uma
maneira que a torna compativel com a mecânica quântica; sem dúvida, um
grande sucesso.
Por outro lado, as teorias de supercordas só vivem em dez dimensoes,
enquanto nós vivemos em quatro dimensões (uma dimensão temporal e tres
dimensões espaciais: comprimento, largura e altura). Uma possibilidade
permitida pela teoria é que quando o universo foi criado, no big bang,
seis das dez dimensões tornaram-se muito pequenas, enquanto as outras
quatro dimensões expandiram-se violentamente, dando origem ao universo
que conhecemos hoje. Uma análise detalhada desse processo revela que
uma quantidade muito grande de universos seriam passíveis de
existência em quatro dimensões. Isto é desencorajador, pois o ideal
seria encontrar apenas um universo, aquele no qual vivemos.
Outro problema é que existem cinco teorias de supercordas. Isto parece
ser muito mais do que o necessário se acreditarmos que nosso universo
é unico.
Estas dificuldades vem sendo intensivamente investigadas e a
solução parece estar a vista. Existem evidências, desde o início da
década de 90, que as cinco teorias de supercordas são
equivalentes entre si. Elas seriam cinco diferentes aspectos de uma mesma
teoria, batizada de teoria M. Nestes últimos anos, várias partes da
teoria M foram encontradas e parece tratar-se de uma teoria de
membranas. Da mesma forma que as partículas pontuais foram
generalizadas para cordas, estas foram generalizadas para membranas.
O que é importante é que parece não haver distinção sobre qual é o objeto
fundamental da teoria. Dependendo do ângulo que tratamos a teoria,
o objeto fundamental pode ser uma corda ou uma membrana, e a teoria
pode viver em dez, onze ou quatro dimensões. Um fato curioso é que o M
em teoria M não tem um significado preciso. Alguns físicos
interpretam o M como "membrana", outros como "mãe de todas as
teorias" e outros ainda como M de "mistério".
Graças a esses avanços recentes, o paradoxo da informação também
parece ter sido resolvido. O que acontece é que a radiação emergente do
buraco negro necessariamente interage com a matéria que cai em seu
interior. Sabemos, todavia, que esse processo não pode ser tratado
pelas teorias convencionais de partículas pontuais. As membranas
salvam a situação.
Apesar de arrojadas, essas novas propostas revelam uma nova maneira de
encarar a teoria de supercordas. Da mesma forma que a relatividade
geral e a mecânica quântica provocaram um mudança radical
em nossa compreensão do universo, a teoria de supercordas
promete um início de século com uma revolução muito mais
surpreendente, na qual a natureza revela aspectos espetaculares jamais
suspeitados.
Retorna